Vem
Vou-me juntar a ti nesta tarde nascente que queima entre as casuarinas. Ouves o que elas murmuram olhando o mar? Palavras levíssimas a cantar um chamado.
Que é nosso, que não cala. A tarde a encher-se de formas e sons e corpos.
Resgata-me o corpo, todas as formas e o que há dentro delas. Resgatando-as poderei oferecê-las a ti.
Não há pranto a encobrir abismos - talvez um dia houvesse – mas há um oceano a navegar. Uma ausência de medos e um longínquo cantar de sereias. Tu és a voz, a palavra, o corpo, pelos quais percorrerei abismos sem receio, com o prazer estremecido do desejo.
Tu és o meu delírio mais agudo, porque real. O sentido estabelecido das coisas. Como se repentinamente elas tivessem tomado seus lugares no aleatório do mundo. O sentido, o sentimento, o olhar a abandonar o corpo, onde tudo o mais são inânias e o que prevalece é o desfalecimento da entrega. As vozes vulcânicas que nos tomam, que me tomam.
Toma-me. Estaremos construindo um império de afetos e desejo a sobreviver terremotos. Porque não tememos e não somos cegos. Já sabemos bastante de cegueiras e precipícios. Piso passos cuidadosos contigo. Desabridos e cuidadosos por ti. Não esgotarei teus vícios, eles são tu. Tudo será o nosso vôo.
Nesse rio que nos percorre vive uma escrita ancestral, uma palavra única, saída de algum lugar, simultaneamente em nós e fora de nós .
Vem, escreve comigo todas as palavras, os gritos, os segredos que só nós sabemos. As mãos e a boca saciando a fome que não finda. Tudo é domarmos o destino, o bridão em nossas mãos, galope pleno. Qualquer profundidade, a construiremos os dois, com a vida subindo-nos à garganta.
Só colado ao teu, meu corpo se sabe corpo. Por isso para que nada se perca, para que não nos percamos, vem.
Vem...
Silvia Chueire