domingo, 29 de julho de 2007

















Vem

Vou-me juntar a ti nesta tarde nascente que queima entre as casuarinas. Ouves o que elas murmuram olhando o mar? Palavras levíssimas a cantar um chamado.
Que é nosso, que não cala. A tarde a encher-se de formas e sons e corpos.
Resgata-me o corpo, todas as formas e o que há dentro delas. Resgatando-as poderei oferecê-las a ti.
Não há pranto a encobrir abismos - talvez um dia houvesse – mas há um oceano a navegar. Uma ausência de medos e um longínquo cantar de sereias. Tu és a voz, a palavra, o corpo, pelos quais percorrerei abismos sem receio, com o prazer estremecido do desejo.

Tu és o meu delírio mais agudo, porque real. O sentido estabelecido das coisas. Como se repentinamente elas tivessem tomado seus lugares no aleatório do mundo. O sentido, o sentimento, o olhar a abandonar o corpo, onde tudo o mais são inânias e o que prevalece é o desfalecimento da entrega. As vozes vulcânicas que nos tomam, que me tomam.
Toma-me. Estaremos construindo um império de afetos e desejo a sobreviver terremotos. Porque não tememos e não somos cegos. Já sabemos bastante de cegueiras e precipícios. Piso passos cuidadosos contigo. Desabridos e cuidadosos por ti. Não esgotarei teus vícios, eles são tu. Tudo será o nosso vôo.

Nesse rio que nos percorre vive uma escrita ancestral, uma palavra única, saída de algum lugar, simultaneamente em nós e fora de nós .
Vem, escreve comigo todas as palavras, os gritos, os segredos que só nós sabemos. As mãos e a boca saciando a fome que não finda. Tudo é domarmos o destino, o bridão em nossas mãos, galope pleno. Qualquer profundidade, a construiremos os dois, com a vida subindo-nos à garganta.
Só colado ao teu, meu corpo se sabe corpo. Por isso para que nada se perca, para que não nos percamos, vem.

Vem...

Silvia Chueire

Um comentário:

Anônimo disse...

Um doce e sentido chamado de amor, que parece ter nascido na angústia daquele que clama pela presença do corpo, pela urgência da alma, pelo toque mágico do coração. Um grito que se liberta e quer tocar o silêncio do outro; um gesto que se faz na busca da luz para apagar as sombras; uma entrega que se dá antes mesmo de encontrar o porto seguro tão almejado.

Um lindo, sentido, e sensível poema, que nos toca profundamente quando percebemos nele fragmentos de nossos próprios anseios.

Nas pétalas que te deixo, um agradecimento por tão belo momento.