sexta-feira, 22 de junho de 2007

De medo

arthur james - everything that you do


Era um dia de medo sob as nuvens, um dia de música ignorada, o medo nascendo feito jato d'água, do peito espalhando-se pelo corpo, a tremer tantos terremotos, como se a terra fosse revirar-se, a náusea a subir e descer.
Era um dia de medo e nestes dias é que renunciamos viver. Assim foi.

Ela o observava sem calar completamente, nunca fora capaz do silêncio de pedra. Observava, cada vértebra estremecida, a pedir internamente: não, assim não. Cada pensamento voltado para o acontecimento: a vida estancada, parada à margem árida do que estava ali, do que estava por vir.
Mas nossas mãos nunca podem remover o medo alheio, por mais que prometam o paraíso. Cada um procura o inferno que bem entende.

Eram dias de tenebroso terror para os quais ela olhava sem acreditar que poderiam ser. Dias de inundações, de ondas desgovernadas, de vozes ásperas chocando-se contra as paredes, contra a sua face incrédula.
Também ela, por minutos, temeu. Temeu o esquecimento de que eram felizes. Tão mais felizes do que podem ser as pessoas no nosso tempo. Sabia que a felicidade tem tanto peso quanto a morte, ambas não se deve esquecer.

Eram dias com o terror colado. Desaguaram em milhares de palavras, numa corrente líquida de palavras desesperadas, de pensamentos a procurar um nexo, qualquer nexo. Mas qualquer nexo corria à solta das coisas, chorava-se a lágrima pura da dor.

Era ela entre as paredes, a tecer as razões de tudo. Era ele acuado. Era ela, Penélope caricatural, a repetir perguntas e respostas, tentando entender a turbulência. Campos e campos de dor. Era ele a fugir.

Não se toma o medo alheio nas mãos e se o desfaz com gestos amorosos. O medo alheio é uma intrincada floresta de dúvidas que não nos pertencem, de renúncias que não são nossas. Nunca renunciou, nunca cedeu ao medo. Mas a nossa coragem não é a coragem do outro.

Era uma casa tristemente quieta de maio. A sua casa. Tapou o seu rosto com a máscara do sorriso, calou sua voz entre as notas de uma qualquer música, e foi vivendo os pedaços da mulher que era, até que os recompusesse um dia. Até que pudesse renascer.

Hoje pensa: um dia a felicidade há de ser uma coisa natural.








Silvia Chueire






Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei das imagens mentais q vc criou. Voltarei + xs.

É isso ai.
Bjs e otima semana!